quinta-feira, 29 de julho de 2010

Receita para lavar palavra suja

Receita para lavar palavra suja
junho/2004

Mergulhar a palavra suja em água sanitária, e depois de dois dias de molho quarar ao sol do meio dia.

Algumas palavras, quando são alvejadas ao sol, adquirem consistência de certeza, como, por exemplo, a palavra vida. Existem outras, e a palavra amor é uma delas, que são muito encardidas e desgastadas pelo uso, o que recomenda esfregar e bater insistentemente na pedra e depois enxaguar em água corrente. São poucas as palavras que resistem a esses cuidados, mas sempre existem aquelas.

Dizem que limão e sal tiram sujeiras difíceis, mas toda tentativa de lavar a piedade foi sempre em vão. Eu nunca vi palavra tão suja quanto perda; perda e morte, na medida em que são alvejadas, soltam um líquido corrosivo que atende pelo nome de amargura, que é capaz de esvaziar o vigor da língua. O conselho nesse caso é mantê-las de molho num amaciante de boa qualidade.

Mas se o que você quer é só aliviar as palavras do uso diário, pode usar sabão em pó e máquina de lavar. O perigo é misturar palavras que mancham no contato umas com as outras. Culpa, por exemplo, mancha tudo que encontra, e deve sempre ser alvejada sozinha. Outra mistura pouco aconselhada é amizade e desejo. Desejo é uma palavra intensa e pode, o que não é evitável, esgarçar a força delicada da palavra amizade.

É importante não lavar demais as palavras sob o risco de perderem o sentido. Aquela sujeirinha cotidiana, quando não é excessiva, produz uma oleosidade que dá vigor aos sons.

Muito importante na arte de lavar palavras é saber reconhecer uma palavra limpa. Conviva com as palavras durante alguns dias, deixe que se misturem em seus gestos e que passeiem pela expressão de seus sentidos. À noite, permita que se deitem não ao seu lado, mas sobre o seu corpo. Enquanto você dorme a palavra plantada em sua carne prolifera em toda a sua possibilidade.

Se você puder suportar essa convivência até não mais perceber a presença dela, aí você tem uma palavra limpa.

Uma palavra limpa é uma palavra possível.

Viviane Mose
Filósofa, psicanalistaReceita para lavar palavra suja
junho/2004

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sábado, 24 de julho de 2010

Devaneios no tempo

Com o tempo eu aprendi que quando eu estiver certo não preciso esfregar esta verdade no rosto das pessoas, aprendi que quando estiver errado tenho que aprender a ouvir sobre o erro, aprendi que não posso atribuir meus erros aos outros, aprendi a enfrentar com dignidade qualquer fato por mais adverso que seja.
Aprendi que há amigos e colegas, que nem todos são para todos os acontecimentos, há os amigos para os bons momentos, para os ruins, e aprendi que a vida os aproxima sempre na hora certa.
Aprendi que a fluência dos meus pensamentos não são tão fáceis de redigir, que os pensamentos são palavras soltas, que se unidas não se pode prever o resultado.
Aprendi que quando se ama, por maior que o sentimento pareça não é fácil de se expressar.
Aprendi que quando estamos sozinhos é porque não demos a oportunidade, nem o espaço necessário para que se aproximassem.
Aprendi que esquecer nem sempre é ruim, mas que também não é uma coisa fácil.
Aprendi que o tempo ensina coisas tão duras, mas quem disse que é fácil aprender.
Aprendi que não posso parar o tempo, mas posso aproveita-lo da melhor forma.
Aprendi que meu distanciamento às pessoas, aos fatos, é um escape, uma tentativa frustada de proteger-me.
Aprendi que promessas são difíceis de cumprir, por mais simples que seja.
Aprendi que as pessoas nos surpreendem.
Aprendi que sempre há o que aprender, e que viver é um longo aprendizado.

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